Neste
ano da graça de 2014, a Igreja Católica romana quer colocar no trono dos Santos
dois grande homens do século XX: João XXIII e João Paulo II. Por isso, nesta
prévia abordagem, quero partilhar com caros leitores da Seara alguns laços de afectos que unem o povo de Timor ao coração
da Igreja através do pontificado de João Paulo II.
O cerne da questão: Timor no
coração de João Paulo II
Introduzo, agora, o quadro epistemológico que deve evidenciar
algumas características que unem o povo de Timor à Igreja universal. De modo
explícito, a sua visita a Timor e a homilia que foi proferida
aos cristãos de Timor em Tasi-tolu, no dia 12 de Outubro de 1989, e que
constituiu não só um marco importantíssimo para a Igreja em Timor como também uma
viragem para a luta pela libertação do povo. Veremos também algumas
intervenções em favor de Timor Leste perante o Mundo internacional, sem
esquecer a sua mensagem para o Dia da Restauração da Independência de Timor
Leste. Por último, atentaremos nas palavras proferidas aos Administradores Apostólicos de Timor nas suas visitas Ad Limina ao Vaticano.
- Homilia de João
Paulo II em Tasi-tolu
O
ministério do sucessor de Pedro é «confortar e fortalecer os irmãos na fé». Tal
como Cristo disse a Pedro antes da Sua Paixão: «…uma vez convertido, fortalece
os teus irmãos» (Lc 22, 32). Fiel a este compromisso, num tempo muito difícil,
numa guerra fria e silenciosa que o mundo desconhecia, sua Santidade fez
questão de visitar os seus irmãos na fé: “eu vim
como uma testemunha de Cristo e um
ancião da família da fé[1]”. Neste exercício do ministério petrino, João Paulo
II superou todos os obstáculos e barreiras da inimizade para se encontrar e
celebrar o Te Deum com o povo
sofredor de Timor. Encheu-nos de contentamento ver no rosto do pastor universal
uma alegria transbordante no meio dos crentes e não crentes: “agora estou cheio
de alegria em poder celebrar esta Eucaristia convosco aqui em Tasi-Tolu”. Na verdade, esta foi uma experiência única e irrepetível.
Assim, o culto é o
coração da autoconsciência religiosa e da autoconsciência como tal do povo de
Timor. O
Papa celebra com aquela comunidade, em toda a sua extensão; Deus estava
presente nela e ela é sacramento da presença de Deus para todo o mundo.
Antecipa-se aí a unidade definitiva, a realidade escatológica, a síntese entre
a comunidade terrestre e celeste.
Penso que as palavras dirigidas aos timorenses em Tasi-Tolu
correspondem, em última análise, à nossa inquietação e sofrimentos, sobretudo vindo
confirmar a identidade cultural e religiosa de uma comunidade, construída no
alicerce evangélico: «Vós sois os
católicos em Timor Leste, tendes uma tradição em que a vida familiar, a
educação e os costumes sociais estão profundamente enraizadas no Evangelho, e
esta tradição é uma grande parte da vossa identidade[2]». Sim, Timor tem uma tradição fundada nos valores
evangélicos, graças aos duros trabalhos dos missionários. Certamente, com o
pastor universal, em cada época, a Igreja está em peregrinação. Na
realidade, na condição de “Mãe e Mestra” a Igreja
deve visitar todos os filhos espalhados por todo o continente, para anunciar a
Boa Nova de Cristo, especialmente, para confortar os crentes a manter acesa a
chama da fé em Cristo e falar-lhes do amor salvífico de Deus, nos momentos
angustiantes e de conflitos de então.
Gostaria
de alegar que a força destas narrativas procura fazer um aggiornamento fundamentalmente em duas vertentes: uma ad intra, a própria realidade e
consciência dos desafios que interpelam os próprios timorenses na afirmação da
sua identidade crente como um dos
países mais católicos no continente asiático e uma ad extra, a sua relação com a Igreja universal e o Mundo
internacional, principalmente, a sua relação com «os irmãos mais velhos na fé».
Por conseguinte, esta força torna o modus
vivendi da Igreja timorense como “portador
da esperança” no meio de um caos sem fim. Por isso, esta presença amiga do sucessor de Pedro
procura tornar a igreja de Timor como “um
património vivo da fé” e, de certa forma, afirmar identidade cultural timorense
no meio do mundo circundante.
De forma
paralela, como
timoneiro da Igreja a conduzir a Barca de Pedro, João Paulo II desafiou os
cristãos de Timor, nomeadamente interpelando-os sobre o que significa ser “o sal da terra” e “luz
do mundo” em Timor Leste, hoje? Esta foi uma
chamada de atenção para que todos os filhos da Igreja tomem consciência da sua
responsabilidade: ser sal da terra e luz do mundo. O povo de Timor tem uma
experiência mais profunda com estas duas metáforas do Evangelho. Na nossa tradição, utilizamos o sal para
conservar os alimentos e melhorar o sabor da comida. No Evangelho «“sal” refere-se a preservação da
corrupção do pecado e da morte. Refere-se
à plenitude espiritual de cada discípulo cujo dever é para animar e elevar a humanidade,
com a ajuda da graça divina». Tal como o sal dá sabor aos alimentos, assim
também os discípulos de Cristo devem ser sal para dar sabor à vida de todos no
meio de tanta destruição e morte, onde os conflitos não têm fim. De forma idêntica, ser a imagem de “luz” significa fazer
brilhar no mundo a luz de Cristo «com a sabedoria que vem da revelação da
verdade divina, mas também a sabedoria quotidiana, isto é, a sabedoria que vem da experiência de vida , bem como a sabedoria que dá a vida: a sabedoria que
ilumina aqueles que vivem pela fé. Onde
quer que essa “luz” é encontrada, ela molda a vida humana e conduta e leva as
pessoas a Deus[3]».
Curiosamente, o Pontífice tinha acrescentado: «quem será o sal que preserva a vida no meio da morte? Se não vós, quem vai ser luz que irradia a sabedoria
no meio das trevas? Se não vós, quem permanecerá firmes
na fé desde o Evangelho foi primeiro pregado aqui há quatro séculos?». Cabe
a nós fazermos um balanço da nossa própria fé, nos momentos difíceis e nesta
hora de liberdade.
- As intervenções de João Paulo II em
favor de Timor Leste pós-referendum.
Ao
longo de um mês de atrocidades, o “Setembro negro”, os dramáticos
acontecimentos vividos em Timor Leste fizeram vibrar o “cor inquietum” de João Paulo II. Efectivamente, desde sempre a Igreja
diocesana timorense assumiu uma grande tarefa ao colocar-se ao serviço da vida
humana e ao tornar-se «Vox populi vox Dei».
Aliás, a Igreja é «perita em humanidade»,
na linguagem de Paulo VI. Esta é a condição sine
qua non mediante a qual a Igreja reage como portador da esperança no meio
do povo. Precisamente em oposição à violência e atrocidades, no dia 5 de
Setembro de 1999, depois da oração do Angelus,
João Paulo II afirmou: «Notícias preocupantes nestas horas chegam de Timor,
onde se realizam os actos de intimidação e de violência. Ao formular os votos
que no território se instaure um clima de serenidade e de concórdia,
convido-vos a unir-vos a mim na oração por estes nossos irmãos arduamente
provocados. A Virgem Maria suscite nos ânimos de todos sentimentos de
verdadeira pacificação e de construtivo respeito à vontade expressa nos dias
passados pela população timorense[4]».
Esta trágica notícia de hostilidade, que chega ao Vaticano minuto a minuto,
toca no mais fundo do coração deste homem de Deus. Curiosamente, logo no
domingo, 12 de Setembro, durante o encontro da recitação do Angelus, numa atitude de conversão
profunda e de oração intensa, o Papa voltaria a referir-se à situação em Timor
Leste: «o meu pensamento dirige-se de novo a Timor Leste, onde uma violência
brutal continua e se enfurece também contra a Igreja Católica, desde há muito
tempo artífice de diálogo e reconciliação (…) exprimo mais uma vez a total
reprovação pelos graves abusos dos direitos humanos perpetrados naquele
território, na vã tentativa de cancelar a vontade expressa pela população e as
suas legítimas aspirações. Renovo o apelo a fim de que os responsáveis
políticos e militares, bem como a Comunidade internacional escutem o brado dos
débeis e indefesos, e vão logo em seu socorro[5]».
A sua forma mentis estava fixa na
causa de Timor, na Audiência Geral das
quartas-feiras do dia 29 de Setembro, em que retomou a tragédia timorense:
«De Timor Oriental continuam a chegar nestes dias notícias trágicas de
massacres perpetrados contra cidadãos indefesos, cristão, sacerdotes,
religiosos e religiosas que deram a própria vida ao serviço de todos[6]». Nesta mesma ocasião, exprimia o seu desejo de que «a
Indonésia e Comunidade internacional ponham fim ao massacre e encontrem modos
eficazes para corresponder às legítimas aspirações da população timorenses[7]». Assim se percebe como neste contexto constrangedor, instável e
propenso à violência, este homem de Deus teve um papel basilar na causa de
Timor.
Procurarei extrair da sua atitude humanista, alguns pensamentos
profundos que procurarei explicar em mais por menor. Por um lado, João Paulo II
defende a sacralidade da vida humana,
isto é, o direito fundamental à vida. A vida humana é sagrada e inviolável
desde a concepção, ou seja, reconhece o direito de todo o ser humano às
condições fundamentais da vida. «…quer ser uma reafirmação
precisa e firme do valor da vida humana e da sua inviolabilidade, e, conjuntamente, profere um
ardente apelo dirigido em nome de Deus a todos e cada um: respeita, defende,
ama e serve a vida, cada vida humana! Unicamente
por esta estrada, encontrarás justiça, progresso, verdadeira liberdade, paz e
felicidade![8]».
De resto, é uma constante nos seus escritos de uma forma explícita, a luta
contra “a cultura da morte”. Por
outro lado, é um grande defensor dos direitos
humanos, ou seja, da universalidade
e indivisibilidade dos direitos humanos, ou reconhecimento
e respeito dos inalienáveis direitos das pessoas e das comunidades dos povos,
para que todos possam viver e desenvolver-se na liberdade e na verdade da
própria história. A defesa da universalidade e indivisibilidade dos direitos
humanos é essencial para a construção de uma sociedade pacífica, para o
progresso integral de indivíduos, povos e nações[9]. Um outro ponto central
deste pontificado foi a sua forma de actuar pela “paz no mundo”, de modo a “edificar
a paz na justiça é obrigação de todos e de cada um”[10].
A paz para todos nasce da justiça de cada um, segundo a lógica, dare cuique suum!
Em suma, o notável esforço de João Paulo II em lutar por um
mundo melhor contra toda cultura da morte era simultaneamente o esforço por lhe
dar nova forma, de modo a poder anunciar o que considerava como a verdade da fé
cristã.
- Mensagem de João Paulo II ao Povo
da República Democrática de Timor Leste, na Celebração da sua
Independência, 20 de Maio de 2002.
Timor
por muitos anos esteve encoberto por trevas densas, um
caos sem fim. Enquanto foi abalada por acontecimentos dramáticos, revestiu-se de
muita barbárie, de muito sangue injustamente derramado, inflação do sofrimento,
a crueldade, o afundamento na brutalidade, etc. É quase um pesadelo. Procura-se
a protecção. Assim, agora temos o fim da violência, fazemos a nossa parte do «tikkun olam», para usar a rica expressão
hebraica, que se poderia traduzir como «curar o mundo». Por conseguinte, a
resposta ao poder do mal, ao impulso à violência, é interiorizá-la e
abençoá-la, por assim dizer, consagrá-la à luta pela excelência da libertação. O
dia 20 de Maio de 2002 fez tremer todo o mundo, finalmente, Timor Leste
declarou-se como um país livre. Chegou
a hora de liberdade! Chegou o tempo de reconstrução! Este grito de júbilo
do povo timorense também se faz sentir no coração deste querido Papa. Neste
momento crucial, escreve ao povo de Timor: «neste momento tão significativo da
vossa história em que estais para entrar na categoria das nações livres da
terra, uno-me espiritualmente a todos vós para partilhar do vosso sentimento de
regozijo e incitar-vos a edificar uma sociedade justa, livre, solidária e
pacífica[11]».
Esta é a ideia central que dá sentido a todas as outras inspirações. Timor é
chamado a edificar uma sociedade justa,
livre, solidária e pacífica.
Situamo-nos
na esfera da história do povo de Timor. De facto, trata-se
de aprender a arte de morrer, a ars
moriendi, como se dizia na Idade
Média, através do sangue e a morte para alcançar a liberdade.
Neste percurso para a liberdade, a Igreja dá um testemunho de lucidez
extraordinário ao longo dos tempos ao lado do povo. A Igreja torna-se “voz da esperança”, onde «a liberdade tem de ser sempre defendida e
preservada tanto daquilo que pode enclausurá-la, como das contrafacções que
possam adulterar a sua autenticidade em prejuízo da pessoa humana e da sua
dignidade[12]».
O coração da Igreja permanece
fixo no grito do povo que aspirar a uma vida digna como pessoa e como cristão.
Numa
Carta Magna dirigida ao povo de Timor
na cerimónia da Restauração da Independência, João Paulo II testemunhava o
«profundo júbilo» para com o povo, após o «profundo pesar» causado pelas
notícias de atrocidades recebidas hora a hora, pelas quais se afirmava profundamente
amargurado. Na referida mensagem, ele reconheceu Timor como um país livre e
democrático, contudo, frisa que este é um desafio que cada um dos timorenses
tem que encarar com responsabilidade, «esta pátria, que Deus entrega nas vossas
mãos diligentes, há-de apoiar-se sobre os valores imprescindíveis para a
existência de uma verdadeira democracia: respeito pela vida e por toda a
pessoa; solidariedade efectiva entre os membros da comunidade; abertura ao
contributo positivo de cada uma das suas categorias e de todos os membros, no
respeito das diversas competências; atenção às necessidades reais das famílias
e, de modo especial dos jovens que são a promessa do futuro do recém-nascido
país[13]». Por
força dessa relação de reciprocidade entre Igreja e Estado todos são chamados a
construir este recém-nascido país sobre os valores humanos e de
democracia.
- Discurso
de João Paulo II aos Bispos de Timor Leste, Administradores Apostólicos de
Díli e de Baucau, Visita “AD
LIMINA”.
A Igreja, em Timor Leste, situa-se na história, num lugar, tem um
rosto e vive num tempo e num espaço concretos. De facto, ao longo de 25 anos da
ocupação indonésia, a Santa Sé não reconheceu a Igreja de Timor como uma
anexação da Conferência Episcopal da Indonésia. Este facto, tornou-se na
eleição de D. Carlos Ximenes Belo e D. Basílio do Nascimento, com os títulos de
Administradores Apostólicos,
dependendo directamente da Santa Sé.
Ora,
na visita Ad Limina dos bispos de
Timor, João Paulo II dizia que «… a Igreja de Timor se solidarizou com os seus
concidadãos, tornando-se o seu apoio moral na hora da prova[14]».
De facto, a Igreja situa-se no meio do Homem e
ao longo dos tempos o modus vivendi
da Igreja é ser «baluarte da fé» e «o apoio moral» para o povo nos momentos da
provação.
Naturalmente,
para além dos valores inestimáveis que a Igreja de Cristo ostenta, tornou-se
praxe colocar-se ao
serviço do Reino de Deus e para o bem comum da humanidade. Por isso, os seus
membros são designados como “portadores de esperança”. Com o mesmo
propósito, o sucessor de Pedro exortou aos bispos timorenses, «… ajudai
as vossas comunidades eclesiais a retomarem o ritmo normal da sua vida e
testemunho cristão. Elas serão chamadas, aqui e além, a oferecer o abraço
reconciliador, como o pai do filho pródigo, a irmão que, esperançados no perdão
fraterno, regressam à “casa da comunhão”, talvez iludidos, forçados, ou
convencidos…semearam luto e orfandade. Provavelmente não sabiam que, matando a
outrem, davam a morte a si mesmo[15]».
O decurso da história de Timor está
marcado por uma profunda presença constante da Igreja na vida activa. Tal
presença é da máxima importância «na fase de arranque da vida nacional de Timor
Leste, que muito esperam na competência de experiência da Igreja, nomeadamente
através das suas instituições escolares, para uma adequada preparação dos
futuros animadores e dirigentes sócio-económicos e políticos do País[16]». No entanto, na génese doutrinal, a Igreja com a sua
missão evangelizadora é, portanto, educadora. A Igreja – disse João Paulo II - sempre tem ensinado o dever
de agir pelo bem comum; e, procedendo assim, também educou bons cidadãos para
cada um dos Estados. Além disso, ela sempre ensinou que o dever fundamental do
poder é a solicitude pelo bem comum da sociedade; daqui dimanam os seus
direitos fundamentais[17]. Assim, a
visibilidade da Igreja diocesana timorense é manifesta a partir das qualidades
imateriais que exprimem a koinonia eclesial: um só coração e uma só alma, o
que traduz o sentido profundo do testemunho como “defensor” do povo.
Estou
certo de que a partir desta experiência
eclesial, isto é, do encontro entre
os bispos de Timor e o bispo de Roma, brota um profundo apelo acção da Igreja em favor do povo e que permita «aos fiéis, jovens e
adultos, uma descoberta cada vez mais clara da própria vocação e uma
disponibilidade de sempre maior para a viver no cumprimento da sua missão, é
necessário que eles possam beneficiar de uma catequese completa sobre as
verdades da fé e as suas implicações concretas na vida, capaz de os levar a
encontrar Jesus Cristo, dialogar com Ele, deixar-se abrasar pelo seu amor e
inflamar-se no desejo de O tornar conhecido e amado por todos. Esta formação,
dada e recebida na Igreja, há-de gerar comunidades cristãs sólidas e
missionárias, porque “um fogo só pode ser acesso por algo que já esteja
incendiado[18]». Trata-se de um extraordinário crédito de confiança que João Paulo II colocou sobre
os ombros dos pastores da Igreja de Timor, para velar pelo povo.
É uma pena, porém, a real situação de Timor na actualidade.
Permitam-me dizer francamente que a realidade vivida dos próprios timorenses
mostra claramente uma disparidade aqueles agem de forma etsi Deus non daretur, tiram a vida do outro como se fossem dono dela,
constituem para si mesmo o grande mysterium
inequitatis. Os timorenses tornam-se «homo
homini lupus», a «cultura da morte»
e do «hedonismo», a infidelidade
conjugal, o escândalo sexual, etc., são os desafios que
urge que a Igreja reflicta na sua missão e pastoral.
Entre as questões mais agudas, sem tocar na esfera da “fides” e “ethos”, gostaria de focar a minha exposição na questão da «educação». Por
um lado, a Igreja timorense deve investir mais na Pastoral Familiar, sobretudo neste ano dedicado a família. Na sua
génese, «a educação é dever sobretudo da
família que é uma escola do mais rico humanismo[19]».
A família é chamada a educar as novas gerações, «a plena realização
da vida conjugal, e consequentemente, a estabilidade e santidade da família,
dependem da formação da consciência e dos valores assimilados durante o
processo formativo dos próprios genitores. Os valores morais vividos na família
são mais facilmente transmitidos aos filhos[20]». A família, enquanto, educadora por
excelência da pessoa, torna-se «património da
humanidade».
É
uma pena, vermos muitos jovens envolvidos no mundo da violência, muitos casais
infiéis aos seus compromissos matrimoniais, violência doméstica, etc. João
Paulo II afirma explicitamente no discurso aos bispos de que «a vida familiar assente no amor, na
simplicidade, no compromisso concreto e no testemunho quotidiano,
defender-se-ão os seus valores essenciais contra a desagradarão que, com
demasiada frequência nos nossos dias, ameaça esta instituição primordial da
sociedade e da Igreja[21]».
Por isso, a família cristã de Timor deve estar consciente de que é chamada a
oferecer uma boa notícia relativamente a estes supremos valores de amor,
respeito mútuo, inviolabilidade de vida humana, etc.
Por
outro lado, penso que um substrato mais evidente da Igreja em Timor reside na «batalha da educação». Perante a degradação moral (abuso sexual, a matança, o
suicídio, violência doméstica, etc), as escolas católicas são chamados a testemunhar
a sua fé em Cristo. É urgente formar «a
consciência humana» para respeitar a vida como dom sagrado e a
inviolabilidade da dignidade da pessoa. Na tradição timorense, pensa-se que a
educação consiste apenas em proferir palavras, mas antes de mais nada é ensinar
“a arte de viver”, isto é, viver segundo determinados princípios. De tal forma
que a «luta em prol do desenvolvimento humano começa pelo serviço a favor da
própria vida. A vida é o grande dom que Deus nos confiou: Ele confiou-no-la
como um projecto e uma responsabilidade. Os religiosos e as religiosas
participam plenamente na obra de evangelização da Igreja, (…). A vida
consagrada contribuiu decididamente para a implantação e o desenvolvimento da
Igreja em Timor[22]».
Por conseguinte, as escolas católicas devem ser pioneiras
e impulsionadoras da “civilização do amor” porquanto são formadoras da civilização
humana, educando muito jovens a encarar a vida com dignidade e respeito mútuo.
Esta
é a ordem testemunhal da fides eclesiae,
que se exprime para o bem de um povo: «Exortando todos os seus filhos e filhas,
segundo o nível da responsabilidade próprio de cada um, a empenharem-se
decididamente na edificação de uma sociedade cada vez mais fraterna e
solidária, cujos membros partilhem equitativamente a honra e o ónus da nova
nação[23]».
Epílogo
De
facto, João Paulo II foi um tesouro para a Igreja e para a sociedade timorense
em geral. Foi, verdadeiramente, um profeta para a causa de Timor. Como sucessor
e timoneiro na condução da Barca de Pedro guardou todos os seus rebanhos no
mesmo redil e testemunhou-o na sua própria vida. Pois, se é certo que a Igreja
é “mestra”,
não pode silenciar as exigências da verdade e o mesmo se dirá se a Igreja é
“Mãe” não pode excluir ninguém, nem esquecer os filhos que sentem dificuldade
na realização do seu ideal.
Em
gesto conclusivo, gostaria de partilhar convosco caros leitores da Seara, as questões seguintes como
meditação para cada um de nós. Procuro fazê-lo em duas vertentes: uma vertente ad intra, isto é, dentro do patamar da
Igreja.
Ø Perante
a prática da «cultura da morte» que
tem acontecido com frequência no meio da sociedade, que é na maioria se dizem
católicos, será que os cristãos ainda continuam a ser «o sal da terra e a luz do mundo?».
Ø Diante
da «crise dos valores» e a «degradação moral», como abuso sexual,
adultério, infidelidade conjugal, matança, etc., poderíamos
afirmar que temos «uma tradição em que a
vida familiar, a educação e os costumes sociais estão profundamente enraizadas
no Evangelho?».
Ø Se a Igreja fosse a voz do povo «vox populi vox Dei» nos momentos difíceis, será que, actualmente,
continua a ser «voz de esperança»
para o povo?
E uma vertente ad extra, isto é, na sua relação com a sociedade timorense como um
país livre e democrático.
Ø Perante
a maioria de povo que vive na pobreza e miséria, «os responsáveis políticos e militares, (…) escutem o brado dos débeis e
indefesos?».
Ø Será
que Timor Leste é «uma sociedade justa,
livre, solidária e pacífica», segundo o desejo de João Paulo II, enquanto
começa a surgir uma «classe mais rico» no meio do povo sofredor? Ou será que há
uma distribuição equilibrada das riquezas do país, cujos membros partilham equitativamente a honra e o ónus
da nova nação?
Ø Será
que há uma «justiça distributiva» de
forma igual para todos? Ou como se diz na linguagem corriqueira: o povo que
rouba 50 centavos vai descansar no «Hotel de Becora», enquanto os corruptos
andam à solta?
Para concluir, acredito que vai
surgir uma «nova primavera» na Igreja diocesana timorense com o exemplum virtutis de João Paulo II. É a
nossa esperança, todos nós esperamos que esta canonização «proporcione à Igreja
em Timor uma nova primavera de vida cristã[24]»
e que esta querida pátria possa ser domus
fraternitas para todos os timorenses.
Bibliografia
Livro:
JOÃO PAULO II, Evangelho da Vida, Editorial O. A.B,
Braga 1995.
JOÃO PAULO II, O
Redentor do Homem, Editorial O. A.B, 5ª edição, Braga 1984.
Revista:
L’Osservatore
Romano, ed. Port.
11/11/1983
L’Osservatore
Romano, ed. Port.
22/10/1989.
L’Osservatore
Romano, ed. Port.
20/12/1997
L’Osservatore
Romano, ed. Port.
19/12/1998
L’Osservatore
Romano, ed. Port.
11/9/1999.
L’Osservatore
Romano, ed.
Port. 18/9/1999.
L’Osservatore
Romano, ed.
Port. 30/9/1999.
L’Osservatore Romano, ed. Port. 25/5/2002.
L’Osservatore
Romano, ed. Port. 9/11/2002.
[1]
JOÃO PAULO II, Homilia em Tasi-tolu, 12-10-1989, in «L’Osservatore Romano»,
ed. Port. 22/10/89, p.7.
[2]Ibidem
[3]
Ibidem
[4]
JOÃO PAULO II, Angelus, in «L’Osservatore Romano»,
ed. Port. 11/9/99, p.1.
[5]
JOÃO PAULO II, Angelus, in «L’Osservatore Romano», ed. Port. 18/9/99, p.1.
[6]
JOÃO PAULO II, Audiência Geral das
quartas-feiras, no dia 30/09/99, in «L’Osservatore
Romano», ed. Port. 30/9/99,
p.1.
[7]
JOÃO PAULO II, Angelus, in «L’Osservatore Romano», ed. Port. 11/9/99, p.1.
[8] JOÃO PAULO
II, Evangelho da Vida, Editorial O.
A.B, Braga 1995, 5.
[9] JOÃO PAULO II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz,1/1/1999, in «L’Osservatore Romano», ed. em port.
19 de Dezembro de 1998, p. 18-20.
[10] JOÃO PAULO II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz,1/1/1998, in «L’Osservatore Romano», ed. em port.
20 de Dezembro de 1997, p. 2-3.
[11]
JOÃO PAULO II, Mensagem ao Povo da
República Democrática de Timor Leste, na celebração da sua independência, in
«L’Osservatore Romano», ed. em port. 25 de Maio de 2002, p. 11.
[12]
JOÃO PAULO II, op. cit., in
«L’Osservatore Romano», ed. em port. 25 de Maio de 2002, p. 11.
[13]
JOÃO PAULO II, op. cit., in
«L’Osservatore Romano», ed. em port. 25 de Maio de 2002, p. 11.
[14]
JOÃO PAULO II, Discurso aos Bispos de
Timor Leste, Administradores Apostólicos de Díli e de Baucau, Vista “AD
LIMINA”, in «L’Osservatore Romano», 9 de Novembro de 2002, p. 3 e 10.
[15]
Ibidem.
[16]
Ibidem.
[17]
JOÃO PAULO II, O Redentor do Homem, Editorial
O. A.B, 5ª edição, Braga 1984, 17.
[18]
JOÃO PAULO II, op. cit., in
«L’Osservatore Romano», 9 de Novembro de 2002, p. 3 e 10.
[19]
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA, Orientações educativas sobre o amor humano linhas gerais para uma
educação sexual, 48, in «L’Osservatore Romano», 11 de Dezembro de 1983, p.
5-8.
[20]
Ibidem, 52.
[21]
JOÃO PAULO II, op. cit., in
«L’Osservatore Romano», 9 de Novembro de 2002, p. 3 e 10.
[22]
JOÃO PAULO II, op. cit., in
«L’Osservatore Romano», 9 de Novembro de 2002, p. 3 e 10.
[23]
JOÃO PAULO II, op. cit., in
«L’Osservatore Romano», 9 de Novembro de 2002, p. 3 e 10.
[24]
JOÃO PAULO II, op. cit., in
«L’Osservatore Romano», 9 de Novembro de 2002, p. 3 e 10.