domingo, 13 de março de 2011

Quaresma: tempo de peregrinação interior

Uma das épocas singulares no tempo litúrgico da igreja católica é a Quaresma. É um tempo de preparação para a celebração da Páscoa do Senhor. É um convite ao arrependimento e à conversão.

Quaresma é “o caminho que leva ao lugar do coração”. Todos os caminhos nos conduzem a uma meta...neste tempo Santo, o nosso olhar fixa-se no caminho para o Calvário. É aí que queremos chegar. Por isso, ‘colocarmo-nos a caminho’ e ‘predispormo-nos’ para escutar atentamente a voz interior da nossa consciência e desfrutar a Palavra do Senhor que nos conduz ao longo deste tempo litúrgico.


“A Quaresma é o tempo privilegiado da peregrinação interior até Àquele que é a fonte da misericórdia. Nesta peregrinação, ele próprio nos acompanha através do deserto da nossa pobreza, amparando-nos no caminho que leva à alegria intensa da Páscoa” (João Paulo II, mensagem para a Quaresma 2004)


A Quaresma é um tempo no qual somos convidados a parar; para revermos com verdade a nossa maneira de ser, a esforçarmo-nos por descobrir qual é a vontade ou o projecto que Deus tem para cada um de nós.

Mais do que preocuparmo-nos em como fazer (simples atitude de repetir actos ou gestos que, muitas vezes, acabam por ser superficiais, sem nenhum tipo de compromisso pessoal), se calhar é importante perguntarmos pelo porquê do conjunto de «rituais» que adoptamos, ou em função do «cumprimento das normas», ou com a intenção da nossa permanente atitude de conversão.


O deserto que sua santidade João Paulo II menciona aqui; é entendido como lugar, espaço físico-geográfico em que o Homem é chamado a viver a dialéctica da felicidade e da desgraça, da verdade e da falsidade; e a procurar a harmonia que, no seu dia-a-dia, se vai consolidando, com a consciência de nem sempre realizar o que se propõe alcançar.


Os Quarenta dias da Quaresma que iremos saborear neste tempo litúrgico significam, por sua vez, a totalidade da nossa existência, a vida vivida inteiramente inserida no devir do tempo, plenamente absorvida pelos acontecimentos, progressos e recuos que constituem a história pessoal cada um.

Ao longo destes quarenta dias, a Igreja propõe de modo especial alguns gestos que cada um possa fazer como a atitude de conversão, tais como Jejum, Esmola e Oração.


O JEJUM

«O JEJUM» tem como finalidade o amor de Deus e o abandono ao Pai. O verdadeiro jejum transforma-se no puro acto de amar. O jejum é uma permanente atitude de alteridade, isto é, busca ininterrupta de diferentes formas de sair/ ir ao encontro, numa atitude de humilde e de reverência, não como quem se impõe aos demais, mas como quem serve.


O Jejum, que pode ter diversas motivações, adquire para o cristão um significado profundamente religioso: tornando mais pobre a nossa mesa aprendemos a superar o egoísmo para viver na lógica da doação e do amor; suportando as privações de algumas coisas – e não só do supérfluo – aprendemos a desviar o olhar do nosso «eu», para descobrir Alguém ao nosso lado e reconhecer Deus nos rostos de tantos irmãos nossos. Para o cristão o jejum nada tem de intimista, mas abre em maior medida para Deus e para as necessidades dos homens, e faz com que o amor a Deus seja também amor ao próximo” (cf. Mc 12, 31). (Bento XVI, mensagem para a Quaresma 2011)


A ESMOLA

«DAR ESMOLA» significa, antes de mais, sair ao encontro de, entrar em relação com, escutar o outro para conhecê-lo bem...sem o conhecimento do outro, mais difícil se torna a partilha e, consequentemente, a entrada na comunhão.

A atitude de quem oferece/dá tem de ser radicalmente prudente, comedida, ponderada. Porque quem está disposto a «dar», precisa também de perceber se o outro está em condições de «receber» a oferta. Praticar a caridade não é um simples acto de «dar». A caridade é fruto do amor de Deus em nós e, por isso, deve ser saboreado/provado com gozo, simplicidade e humildade.


No nosso caminho encontramo-nos perante a tentação do ter, da avidez do dinheiro, que insidia a primazia de Deus na nossa vida. A cupidez da posse provoca violência, prevaricação e morte: por isso a Igreja, especialmente no tempo quaresmal, convida à prática da esmola, ou seja, à capacidade de partilha. A idolatria dos bens, ao contrário, não só afasta do outro, mas despoja o homem, torna-o infeliz, engana-o, ilude-o sem realizar aquilo que promete, porque coloca as coisas materiais no lugar de Deus, única fonte da vida. Como compreender a bondade paterna de Deus se o coração está cheio de si e dos próprios projectos, com os quais nos iludimos de poder garantir o futuro? A tentação é a de pensar, como o rico da parábola: «Alma, tens muitos bens em depósito para muitos anos...». «Insensato! Nesta mesma noite, pedir-te-ão a tua alma...» (Lc 12, 19-20). A prática da esmola é uma chamada à primazia de Deus e à atenção para com o próximo, para redescobrir o nosso Pai bom e receber a sua misericórdia.” (Bento XVI, mensagem para a Quaresma 2011)


A ORAÇÃO

«A ORAÇÃO» brota da escuta da Palavra. Para que a nossa oração não seja palavreado, tem de se alimentar no silêncio. ‘como é bom sentir que Deus vem ao nosso encontro! ‘ Deixemos, então, que ele nos encontre nesta Quaresma.

A ORAÇÃO torna-se assim num movimento de encontro ascendente e descendente do Deus, dador da vida e da comunhão, com o homem, criado e chamado à comunhão com Ele. Rezar é também colocar-se na presença de Deus, numa atitude de confiança filial e de radical entrega nas mãos daquele que por nós tudo ofereceu; é estar a sós com Deus.


Em todo o período quaresmal, a Igreja oferece-nos com particular abundância a Palavra de Deus. Meditando-a e interiorizando-a para a viver quotidianamente, aprendemos uma forma preciosa e insubstituível de oração, porque a escuta atenta de Deus, que continua a falar ao nosso coração, alimenta o caminho de fé que iniciámos no dia do Baptismo. A oração permite-nos também adquirir uma nova concepção do tempo: de facto, sem a perspectiva da eternidade e da transcendência ele cadencia simplesmente os nossos passos rumo a um horizonte que não tem futuro. Ao contrário, na oração encontramos tempo para Deus, para conhecer que «as suas palavras não passarão»” (Bento XVI, mensagem para a Quaresma 2011)

Assim, estaremos capazes de viver uma Quaresma agradável aos olhos de Deus e favorável à «nossa realização», como filhos e filhas queridos por Deus.


Afmend ofm

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  1. Texto Quaresma: o caminho que leva ao lugar do coração, foi elaborado pelo Frajuvoc de Leiria
  2. Bento XVI, mensagem para a Quaresma 2011

sábado, 5 de março de 2011

O silêncio e a solidão

Saindo da Sinagoga, foram para casa de Simão e André, com Tiago e João. A sogra de Simão estava de cama com febre, e logo lhe falaram dela. Aproximando-se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los. À noitinha, depois de sol-pôr, trouxeram-lhe todos os enfermos possessos, e a cidade inteira estava reunida junto à porta. Curou muitos enfermos atormentados por toda a espécie de males e expulsou muitos demónios; mas não deixava falar os demónios, porque sabiam que Ele era. De madrugada, ainda escuro, levantou-se e saiu; foi para um lugar solitário e ali pôs em oração. Simão e os que estavam com Ele seguiram-no. E, tendo-o encontrado, disseram-lhe:«todos te procuram.» Mas Ele respondeu-lhes: «vamos para outra parte, para as aldeias vizinhas, a fim de pregar aí, pois foi para isso que Eu vim.» E foi por toda a Galileia, pregando nas Sinagogas deles e expulsando os demónios.(Mc 1, 32-39)

Este texto mostra-nos como a vida de Jesus era muito dinâmica e activa, sempre disponível para ajudar quem vinha ter com Ele. Porém, no meio de tanta actividade sabe-nos bem escutar a frase de madrugada, ainda escuro, levantou-se e saiu; foi para um lugar solitário e ali se pôs em oração.

É uma palavra repousante. Depois de muitas tarefas e de confraternização, Jesus tem um tempo para a solidão e para o silêncio.

No lugar deserto, Ele encontra a coragem para fazer a vontade de Deus, não a sua; para realizar as obras de Deus e não as suas. É no lugar deserto onde Jesus inicia a sua intimidade com Deus.

De algum modo sabemos que sem esse deserto, estamos perdidos; sem silêncio as palavras perdem sentido e os nossos gestos vazios.

Todos nós, em algum momento da vida, sonhamos realizar algo importante, sermos valorizados por quem vive à nossa volta, tentamos criar uma boa imagem, mas no fundo, sentimos um a grande insegurança. Vamo-nos tornando aquilo que achamos que os outros querem que sejamos. E assim, quando as nossas acções são expressão mais de medo que de liberdade interior, tornamo-nos facilmente prisioneiros das ilusões que nós mesmos criámos.

Jesus quer que sejamos pessoas com liberdade interior. É no deserto que essa liberdade se fortalece. Na solidão descobrimos que ser é mais importante que ter e que valemos mais que o resultado de nossos esforços, que procuramos fazer a vontade de Deus, dizer as palavras de Dele, amar como Ele ama. Deus-Pai é a nossa referência e não o mundo.

Um carpinteiro e seu aprendiz caminhavam juntos por uma grande floresta. Quando encontraram um belo carvalho, alto, imenso, nodoso e velho, o carpinteiro perguntou ao aprendiz:

- sabe por que é que esta árvore é tão alta, tão imensa, tão nodosa, tão velha e tão velha?

O aprendiz olhou para o patrão e respondeu:

- não por quê?

- Bem, disse o carpinteiro, porque ela é inútil. Se fosse útil, teria sido cortada há muito tempo e transformada em mesas e cadeiras, mas, por ser inútil, cresceu tão e tão bela que podemos nos sentar à sua sombra e descansar.

Como comunidade de fé, lembramos constantemente uns aos outros que formamos uma fraternidade dos fracos e de loucos aos olhos do mundo, mas compreensível para Aquele que nos fala nos lugares de desertos da nossa existência e nos diz: “tu és o meu filho muito amado”

O texto depois de dizer que Jesus orava na solidão, diz também, depois de seus discípulos o terem encontrado:« vamos para outra parte, para as aldeias vizinhas, a fim de pregar aí, pois foi para isso que Eu vim

As palavras de Jesus que anunciava eram as de seu Pai. Mais tarde, sabemos que essas palavras o conduziram à morte. Porém, o Pai ressuscitou-o e deu-lhe a verdadeira vida. Talvez tivesse sido mais fácil para Jesus seguir corrente, agradar aos seus contemporâneos e evitar a humilhação e a tortura, Ele era livre de escolher e preferiu dar a vida, que vender a sua liberdade pela aceitação da multidão.

O mais importante não é o que as pessoas dizem de mim, dos meus fracassos... mas a vida que brota do diálogo com o Pai, que me aceita, me ama e me confia o seu reino.

Este texto convida-nos a viver a vida em plenitude, sem esquecer de nos levantarmos pela madrugada e nos dirigirmos para um lugar deserto para estar sós com Deus.

Afmend OFM

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Cf. NOUWEN, Henri J. M; o fruto da solidão, Edições Loyola, São Paulo. Brasil,2000

 
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