segunda-feira, 18 de julho de 2011

A cultura do SER e do TER

Uma escolha de vida

A cultura contemporânea, que perdeu o conceito da pessoa, perdeu igualmente o de conceito de maturidade. Na sociedade actual conjuga-se pouco o verbo SER. Hoje o que conta não é o SER, mas o ter, o fazer, o agir, o trabalhar, a inserção no mundo da produção. Enfim, estamos mergulhados na cultura do homo faber e homo sapiens.
As pessoas preferem conjugar o verbo sentir e acreditar, dizendo que o homem se deve realizar naquilo que sente. Como, por exemplo, nas vibrações sentimentais, nas relações instintivas e nas gratificações sensuais e emoções de fundo egoísta: o «segue o que sente».
No meio da sociedade de hoje, não constam os valores objectivos como Deus e a Pessoa. São substituídos pelas sensações subjectivas: os meus sentimentos, as minhas emoções, as minhas vibrações, as minhas gratificações.
Diariamente os mass media comunicam, como linguagem do homem do século XXI:
Sinto-me realizado: sou médico!
Sinto-me realizada: sou enfermeira!
Sinto-me realizado: dou aulas!
Nestas expressões estão patentes duas convicções:
Vale aquilo que faço; vale aquilo que sinto.
A nossa tendência é pensar que nos podemos realizar sozinhos. A nossa realização pessoal olha apenas ao sucesso, ao consenso dos outros, a uma fácil popularidade, ou seja, àquilo que parece ser. Desse modo o homem é tentado a transformar-se em «máscara, personagem, protótipo, celebridade».
Pelo contrário, o homem vale por aquilo que é e, não por aquilo que faz e sente. Não tanto pelo que aparenta, mas, sim, pela sua integração na totalidade do seres humanos.
Estas interpretações erradas da auto-realização induzem os homens a buscar a auto-realização onde ela não está. E acabam por criar pessoas iludidas, desiludidas, inconscientes, infelizes.
A sociedade contemporânea conjuga também estes verbos:
Produzir para ter;
Produzir mais para ter mais;
Ter mais para gastar mais;
Gastar mais para produzir mais.
Aliás, somos dominados pela cultura do consumismo, do materialismo do hedonismo. Propõe-se que os únicos saberes são os que se dão nas ciências experimentais, porque a única realidade é a natureza. Desaparece o sujeito e a sua história, absorvidos pelo objectos, como o que se conclui que não tem sentido as ciências humanas. O homem dissolveu-se no mundo das coisas, âmbito exclusivo das ciências experimentais. Daí o anonimato em que se sumiu a história e a sociedade. Só é válido o económico, as relações de produção, as massas trabalhadoras valorizadas desde a sua funcionalidade, etc. A novidade que se pode trazer a este mundo são as leis capazes de mudar as coisas e não as pessoas; a ética é substituída pelas estatísticas, que decantam as leis sociais até uma ou outra conduta, etc. (Bento XVI, Ratisbona 14, 02)
Diz-nos José Merino: o consumismo converteu-se num estilo de vida e fomentou uma ânsia insaciável de devorar seja o que for: coisas, objectos, pessoas, livros, valores, tempo, ideias, imagens, manias...
Consumir é uma forma de viver que exige ter e desemboca numa maneira de ser. Sou aquilo que consumo, e consumo tudo o que tenho. A sociedade envolveu-se numa girândola cruel, de que se arrisca a não sair nunca: e essa girândola cruel pode levar a humanidade à morte biológica e psicológica.
A morte biológica, que pode chegar com a guerra nuclear ou o suicídio ecológico. A morte psicológica, que pode chegar com a perda completa do sentido da vida.
Thomas Merton, monge trapista, analisando a sociedade de hoje, afirma que o maior problema da sociedade moderna é a crise da identidade. As pessoas não sabem quem são. Colocam o acento no que fazem e não no que são. Valorizam a produtividade, pautam a sua vida pelo consumismo. A nossa sociedade está marcada pela cultura do ter mais: dinheiro, casar, carro de marca, coisas, etc. Estamos numa cultura híper produtiva e hiperactiva. O resultado desta hiperactividade e hiperprodutividade evidencia-se no progressivo desconhecimento de nós mesmos, a ponto de perdermos a capacidade de estar a sós connosco mesmos.
Logo, se a categoria do “ter” exorbita dos limites do seu uso legítimo, desencadeia de seguida a má consciência da anti-verdade: o egoísmo, a agressividade, a alienação e o desespero. (Pietro Prini, in “Pensamento franciscano, sentido e actualidade”.
Francisco recusa, na sua motivação essencial, o primado do fazer e do ter. Portanto, nessa conquista do ser, para além do ter, Francisco de Assis, continua a ser modelo e ponto de referência para os que querem apostar nos verdadeiros valores e nas alegrias autênticas da existência.
É esta a mensagem franciscana: o homem não é um objecto ou uma essência que está feita e acabada, mas, antes, um sujeito que deve responder à realização das suas possibilidades como pessoa individual e social. O sentido da vida consistiu na substituição do primado do fazer e do ter pelo primado do ser, não do ser enquanto objecto, mas do ser que somos nós mesmos, numa irrenunciável vocação participativa. ( Pietro Prini)
Por isso, a pessoa é irredutível à natureza e ao sujeito enquanto tal. Foi Deus que chamou o homem a ser pessoa, ao dar-lhe nome. Com ele o homem responde na relação a Deus, uma prévia relação divina que o colocou na existência com um nome e uma vocação que o configura numa unidade irrepetível. (Von Baltasar, teodramática, I, 611)
Sendo assim, todo o homem é feito para ser imagem e semelhança de Deus. Somos uma realidade única, insubstituível e irrepetível. Não somos uma coisa mas uma pessoa com todo o nosso ser, porque somos obra prima de Deus. Não somos coisas nem animais, somos pessoas. Como diz o Papa BENTO XVI: «não somos o produto do acaso irracional e sem sentido de evolução. Cada um de nós é fruto dum pensamento de Deus. Cada um de nós é querido, cada um de nós é amado, cada um é necessário».
Portanto, no meu «eu» valho tanto quanto sou na realidade e totalidade do meu ser. Por isso, valho muito aos olhos de Deus, apesar de não ter um valor grande aos olhos humanos. Sou válido por tudo aquilo que sou na realidade e não pelo que aparento, ou pelo que os outros julgam de mim. As «coisas» são meios para nós chegarmos à plenitude. Nunca serão o fim ou a meta do homem.

Bibliografia:

1. MARTINI, Nicola de; Maturidade Plena a aposta decisiva.
2. MERINO, José António; São Francisco e tu. Ed. Franciscana Braga
3. PRINI Pietro; Pensamento Franciscano-Sentido e atualidade. Ed. Franciscana Braga.
4. O texto: Oração em silêncio; elaborado pela equipa Frajuvoc de Leiria.

Varatojo, 15 de Junho de 2011
Paz e Bem!
Festa de Doutor Seráfico S. Boaventura

 
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